O que é um Processo de Contencioso Pré-Contratual?

O regime do processo de contencioso pré-contratual, encontra-se previsto nos artigos 100.º a 103.º-B, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), e corresponde à transposição para a ordem jurídica portuguesa das chamadas Diretivas recursos da União Europeia, em matéria de contratação pública.

Conforme estabelece o n.º 1, do artigo 100.º, do CPTA: «o contencioso pré-contratual compreende as ações de impugnação ou de condenação à prática de atos administrativos relativos à formação de contratos de empreitada de obras públicas, de concessão de obras públicas, de concessão de serviços públicos, de aquisição ou locação de bens móveis e de aquisição de serviços.»

Portanto, de acordo com o sobredito preceito, dir-se-á que, um processo de contencioso pré-contratual, permite a dedução, perante um tribunal, das seguintes pretensões:

(i) Por um lado, a impugnação de atos administrativos praticados em procedimentos de formação de contratos de empreitada de obras públicas, de concessão de obras públicas, de concessão de serviços públicos, de aquisição ou locação de bens móveis e de aquisição de serviços. A título de exemplo, considere-se a seguinte situação (meramente hipotética):

– O concorrente X, que apresentou proposta no âmbito do concurso público internacional lançado pelo Ministério Z, tendente à aquisição de “bodycams” para as forças de segurança, entende que a sua proposta foi excluída de forma ilegal do procedimento concursal em causa, e nessa perspetiva, pretende avançar com um processo judicial, com o objetivo de reverter a decisão tomada pela administração pública. O tribunal irá apreciar se, a decisão tomada pela administração, no que concerne à exclusão da proposta do concorrente X deve, ou não, manter-se na ordem jurídica, atenta a regulação dada pelas peças do procedimento e pelo Código dos Contratos Públicos (CCP);

(ii) Por outro lado, a ação de contencioso pré-contratual pode, outrossim, abarcar um pedido de condenação à prática de um ato administrativo devido, atinente à formação de um contrato de empreitada de obras públicas, de concessão de obras públicas, de concessão de serviços públicos, de aquisição ou locação de bens móveis e de aquisição de serviços. Atente-se no seguinte cenário:

– A concorrente R apresentou proposta no âmbito do concurso público internacional, lançado pela empresa pública Trains Y, tendente à aquisição de 22 comboios de alta velocidade, sendo que, após a elaboração dos relatórios preliminar e final por parte do júri do procedimento, concluiu-se que, a proposta da concorrente em questão, correspondia à proposta economicamente mais vantajosa, para a entidade adjudicante, considerando o critério de adjudicação fixado no programa de concurso. Não obstante, ultrapassado o prazo de manutenção de propostas, a entidade adjudicante, e pese embora a proposta do júri, vertida nos relatórios, ainda não tomou a respetiva decisão de adjudicação. O concorrente R, entendendo que tem direito a obter a adjudicação da sua proposta, bem como a inerente celebração do contrato, pretende obrigar a entidade adjudicante, por via contenciosa, à prática dos referidos atos. O tribunal irá apreciar, neste conspecto, se deve condenar a entidade adjudicante a praticar o ato de adjudicação da proposta da concorrente R, bem como a celebrar o contrato.

O processo de contencioso pré-contratual é considerado um processo urgente?

Determina o artigo 36.º, n.º 1, al. c), do CPTA que, o processo de contencioso pré-contratual tem caráter urgente o que significa, por uma banda, que, o meio processual em apreço corre em férias, com dispensa de vistos prévios, mesmo em fase de recurso, e os atos da secretaria são praticados no próprio dia, com precedência sobre quaisquer outros. Por outra banda, a natureza urgente do processo dita que, o respetivo julgamento tem lugar, com prioridade sobre os demais processos (que não tenham natureza urgente), logo que o processo de contencioso pré-contratual, se encontre pronto para decisão.

Ora, compreende-se que, esta forma de processo assuma um caráter urgente, porquanto subjacente a este tipo de ações, encontra-se um procedimento de contratação pública, tendente à formação de um contrato de empreitada de obras públicas, de concessão de obras públicas ou de serviços públicos, de aquisição ou locação de bens móveis e/ou de aquisição de serviços. Assim, poderá estar em causa a construção de um hospital ou de uma ponte, o fornecimento de refeições escolares, a aquisição de aviões para combate aos incêndios, entre outros.

Em suma, por detrás de uma ação de contencioso pré-contratual, existe sempre um procedimento administrativo, tendente à formação de um contrato, que visa a satisfação de necessidades de interesse público, e, nessa medida, percebe-se que os processos em causa sejam considerados urgentes pelo legislador.

Qual o prazo que os concorrentes dispõem para avançar com uma ação de contencioso pré-contratual?

Os processos de contencioso pré-contratual devem ser intentados no prazo um mês (cf., artigo 101.º do CPTA).

A urgência do processo, considerando as razões de interesse público que se encontram presentes, justifica o encurtamento do prazo para a interposição da ação.

O prazo conta-se de mês a mês, desde a notificação da decisão de adjudicação, ou no caso de inércia da administração, a partir do termo do prazo que o órgão administrativo dispunha para emitir uma decisão.

Se o prazo terminar em dia em que os tribunais se encontrem encerrados, o termo do prazo transfere-se para o dia útil seguinte.

Por exemplo, o ato de adjudicação num determinado procedimento de contratação pública é notificado a todos os concorrentes no dia 03 de março. Caso algum dos concorrentes pretenda reagir ao ato de adjudicação, deve fazê-lo até às 24 horas, do dia 03 de abril. Se o dia 03 de abril for um sábado, um domingo, ou um feriado, o términus do prazo transfere-se para o 1.º dia útil seguinte (no cenário acima, se o dia 03 de abril for um domingo, o prazo termina às 24 horas do dia 04 de abril, segunda-feira).

Acrescenta-se ainda que, a apresentação de uma impugnação administrativa (reclamação ou recurso hierárquico) no procedimento de contratação pública, suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato de adjudicação, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação, ou com o decurso do respetivo prazo legal, consoante o que ocorra em primeiro lugar. Note-se que, nos termos do disposto no artigo 274.º, n.º 1, do CCP, as impugnações administrativas devem ser decididas no prazo de 5 dias, a contar da sua apresentação, equivalendo o silêncio à rejeição das mesmas. Por seu turno, o n.º 2, do predito normativo, determina que, quando haja lugar a audiência dos contrainteressados, o prazo para a decisão da impugnação administrativa conta-se do termo do prazo fixado para aquela audiência.

As ações de contencioso pré-contratual têm efeito suspensivo?

As ações de contencioso pré-contratual que, tenham por objeto a impugnação de atos de adjudicação praticados em procedimentos, que foram alvo de publicação no Jornal Oficial de União Europeia, desde que, propostas no prazo de 10 dias úteis, contados desde a notificação da adjudicação a todos os concorrentes, fazem suspender automaticamente os efeitos do ato impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado (cf., n.º 1, do artigo 103.º-A, do CPTA).

Portanto, a interposição de uma ação de contencioso pré-contratual, suspende automaticamente o procedimento de contratação pública onde se insere o ato impugnado, ou a execução do contrato, se, verificados os seguintes pressupostos:

– Em primeiro lugar, o ato impugnado na ação deve dizer respeito a um ato de adjudicação;

– Em segundo lugar, o ato de adjudicação impugnado, terá de ser praticado num procedimento, com publicitação no Jornal Oficial da União Europeia, ou seja, estão em causa procedimentos acima dos limiares europeus;

– Por último, a ação tem de ser proposta dentro do prazo de dez dias úteis, contados desde a notificação da adjudicação a todos os concorrentes, que corresponde ao prazo de standstill previsto no artigo 104.º, n.º 1, al. a) do CCP.

No entanto, considerando que, por um lado, os atos impugnados se encontram inseridos em procedimentos de formação de contratos, que visam a satisfação de necessidades de interesse público, e, que, por outro lado, existe um concorrente que viu a respetiva proposta ser adjudicada, e, nessa medida, tem a expectativa de celebrar o contrato com a administração pública, estabelece o n.º 2, do artigo 103.º-A, do CPTA, que, durante a pendência da ação, quer a entidade adjudicante demandada, quer o contrainteressado (isto é, o concorrente que viu a respetiva proposta ser adjudicada), podem requerer ao juiz o levantamento do efeito suspensivo automático do processo.

O efeito suspensivo é levantado quando, devidamente ponderados todos os interesses públicos e privados em presença, os prejuízos que resultariam da sua manutenção se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento.

Se o procedimento onde se insere o ato impugnado não tiver sido publicado no JOUE, ou se, o concorrente não observar o prazo de standstill, pode, ainda assim, vir a ser suspenso o procedimento adjudicatório ou a execução do contrato?

De acordo com o artigo 103.º-B, n.º 1, do CPTA, nas ações de contencioso pré-contratual em que não se aplique ou tenha sido levantado o efeito suspensivo automático, o autor pode requerer ao juiz a adoção de medidas provisórias, destinadas a prevenir o risco de, no momento em que a sentença venha a ser proferida, se ter constituído uma situação de facto consumado, ou já não ser possível retomar o procedimento pré-contratual para determinar quem nele seria escolhido como adjudicatário.

O requerimento de adoção de medidas provisórias é processado como um incidente da ação de contencioso pré-contratual, devendo a respetiva tramitação ser determinada pelo juiz, no respeito pelo contraditório e em função da complexidade e urgência do caso (cf., artigo 103.º-B, n.º 2, do CPTA).

As medidas provisórias são recusadas quando os danos que resultariam da sua adoção se mostrem superiores aos que podem resultar da sua não adoção, sem que tal lesão possa ser evitada ou atenuada pela adoção de outras medidas (cf., n.º 3, do artigo 103.º-B, do CPTA).

Qual a tramitação a que obedece o processo de contencioso pré-contratual?

De forma sucinta, vejamos a tramitação a que obedece o processo de contencioso pré-contratual, de harmonia com o disposto nos nºs 1 a 9, do artigo 102.º do CPTA.

Intentada a ação, e após distribuição, o processo é concluso ao juiz para despacho liminar, a proferir no prazo máximo de 48 horas, no qual, sendo a petição admitida, é ordenada a citação da entidade demandada e dos contrainteressados, com a advertência de que, se verificados os respetivos pressupostos, a ação faz suspender automaticamente os efeitos do ato impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado.

Note-se que, constituem fundamento de indeferimento liminar da ação, a manifesta ausência dos pressupostos processuais, ou a manifesta falta de fundamento das pretensões formuladas.

Só se admitem alegações no processo, no caso de ser requerida ou produzida prova com a contestação.

Os prazos a observar são os seguintes:

– 20 dias para a contestação e para as alegações, quando estas tenham lugar;

– 10 dias para a decisão do juiz ou relator, ou para este submeter o processo a julgamento;

– 5 dias para os restantes casos.

O objeto do processo pode ser ampliado à impugnação do contrato, caso este venha a ser celebrado na pendência da ação.

Quando o juiz o considere aconselhável ao mais rápido esclarecimento da questão, pode, oficiosamente ou a requerimento de qualquer das partes, optar pela realização de uma audiência pública para discussão da matéria de facto e de direito.

Ademais, o objeto do processo poderá ser convolado para um pedido de indemnização, nas seguintes situações:

– Se, por uma banda, se verificar que, já não é possível reinstruir o procedimento pré-contratual, por, entretanto, ter sido celebrado e executado o contrato (o que apenas ocorrerá nos cenários em que não é aplicável o efeito suspensivo automático do processo, ou em que, sendo o mesmo aplicável, é determinado pelo juiz o respetivo levantamento);

– Se, por outra banda, o tribunal proceder ao afastamento da invalidade do contrato, em resultado da ponderação dos interesses públicos e privados em presença.

Ante o exposto, e percorrido o regime do contencioso pré-contratual, é unívoco que, o meio processual em apreço, revela um caráter urgente, especial e complexo, o qual foi desenhado pelo legislador europeu e transposto para a ordem jurídica portuguesa, e que, considerando todos os interesses públicos e privados em presença, exige seja da parte dos mandatários judiciais, seja da parte dos juízes – o que na prática, infelizmente, nem sempre se verifica -, o domínio de conhecimentos especializados em matéria de contratação pública, quer numa vertente de direito substantivo, quer numa vertente de direito adjetivo.

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