Imagine-se a seguinte situação:
– O Município X, decidiu abrir um concurso público, com publicação de anúncio no Jornal Oficial da União Europeia, tendo por fim a aquisição de serviços de confeção, fornecimento e distribuição de refeições;
– Submeteram proposta no sobredito procedimento de contratação pública, as sociedades comerciais ZZ, Lda., e MM, Lda.;
– A empresa ZZ, Lda., integrava no seu objeto social atividades relacionadas com o objeto do contrato lançado ao mercado pela entidade adjudicante, ou seja, prestação de serviços de confeção, fornecimento e distribuição de refeições;
– Por seu turno, a empresa MM, Lda., não contemplava no respetivo objeto social, quaisquer atividades relacionadas com o cumprimento do contrato colocado a concurso;
– Aquando da elaboração do relatório preliminar, o júri do concurso deparou-se com a situação de o objeto social da empresa MM, Lda., não incluir qualquer atividade conexa com a prestação de serviços de confeção, fornecimento e distribuição de refeições que o Município X pretendia adjudicar;
– Perante o referido cenário, deverá o júri propor a exclusão da proposta da concorrente MM, Lda., ou, em alternativa, admitir a proposta em causa, para efeitos de avaliação e ordenação da mesma?
Vejamos. O Código dos Contratos Públicos, no seu artigo 70.º, n.º 2, al. f), prevê a exclusão de propostas que se revelem desconformes com qualquer vinculação legal ou regulamentar.
Quer isto dizer que as propostas apresentadas pelos concorrentes nos procedimentos de contratação pública, não podem implicar a violação de quaisquer normas legais ou regulamentares aplicáveis.
Bem se compreende que a administração pública, que se encontra sujeita ao princípio da legalidade não deva aceitar e avaliar uma proposta que se apresente desconforme com qualquer vinculação legal ou regulamentar aplicável.
Ora, questiona-se, em que medida o objeto social de uma determinada sociedade comercial concorrente se encontra relacionado com esta causa de exclusão?
Conforme é sabido, o nosso ordenamento jurídico – diferentemente do que sucede no mais permissivo sistema anglo-saxónico (sobretudo americano) – estipula que uma sociedade comercial não pode exercer uma atividade que não se encontre compreendida no seu objeto social.
Veja-se que, nos termos do artigo 142º nº 1 al. d) do Código das Sociedades Comerciais, é causa de dissolução administrativa, entre outras, “o exercício de facto, por uma sociedade, de uma atividade não compreendida no objeto contratual”.
O objeto da sociedade deve constar, obrigatoriamente, do contrato de sociedade, importando a sua falta a nulidade deste contrato – conforme artigos 9º nº 1 al. d) e 42º nº 1 al. b) do Código das Sociedades Comerciais.
Prevendo-se, por outro lado, no artigo 11º nº 2 do Código das Sociedades Comerciais que “como objeto da sociedade devem ser indicadas no contrato as atividades que os sócios propõem que a sociedade venha a exercer”.
Por conseguinte, constatando o júri do procedimento que uma sociedade comercial concorrente não contempla no respetivo objeto social qualquer atividade relacionada – ainda que de uma forma meramente complementar ou acessória – com as prestações a desenvolver no cumprimento do contrato colocado a concurso, deve propor a exclusão da proposta em causa ao órgão competente para a decisão de contratar, nos termos do disposto no artigo 70.º, n.º 2, al. f) do CCP.
Com efeito, nas referidas situações deve o júri do procedimento acautelar se a execução das prestações do contrato a celebrar não exorbita do objeto social da sociedade concorrente, de forma a que a consequente atividade a desenvolver ao abrigo do contrato, então contrária à lei (cf. artigo 142º nº 1, alínea d) do CSC), ditasse a dissolução administrativa da sociedade.
Referências: Artigos 70.º, n.º 2, alínea f), e 146.º, n.º 2, alínea o), ambos do Código dos Contratos Públicos. Artigos 9.º, n.º 1, alínea d), 11.º, n.º 2, 42.º, n.º 1, alínea b) e 142.º, n.º 1, alínea d), todos do Código das Sociedades Comerciais.