O que é uma empreitada de obras públicas de conceção-construção?

§ 1. Noção

A empreitada de obras públicas de conceção-construção caracteriza-se por compreender, no mesmo instrumento contratual, quer a elaboração do projeto de execução de uma obra, quer a realização dos respetivos trabalhos de construção.

Comparativamente com o regime regra que costuma ser adotado pelo Estado Contratante – a empreitada de modelo tradicional – em que o contraente público (dono da obra) apenas confia ao adjudicatário (empreiteiro) a execução de um projeto previamente elaborado e aprovado para o efeito, no modelo de conceção-construção o dono da obra transfere para o empreiteiro a responsabilidade exclusiva decorrente da elaboração e execução do projeto da obra a realizar.

§ 2. Admissibilidade da figura e traços gerais de regime (de acordo com o CCP)

O Código dos Contratos Públicos, no respetivo artigo 43.º/3, prevê a possibilidade de as entidades adjudicantes adotarem o modelo de conceção-construção em empreitadas de obras públicas, nas seguintes situações:

Em casos excecionais devidamente fundamentados, nos quais o adjudicatário deva assumir, nos termos do caderno de encargos, obrigações de resultado relativas à utilização da obra a realizar, ou nos quais a complexidade técnica do processo construtivo da obra a realizar requeira, em razão da tecnicidade própria dos concorrentes, a especial ligação destes à conceção daquela, a entidade adjudicante pode prever, como aspeto de execução do contrato a celebrar, a elaboração do projeto de execução, caso em que o caderno de encargos deve ser integrado apenas por um programa preliminar.”

Nos termos do referido preceito, constata-se que atentos os riscos e o grau de especialização que a empreitada de conceção-construção exige tanto por parte do empreiteiro, como por parte do dono da obra, não sendo – naturalmente – de descurar que este atua sob as insígnias da prossecução do interesse público, o legislador foi bastante cauteloso nas situações em que legitima as entidades adjudicantes a recorrerem à figura da empreitada de conceção-construção.

Por conseguinte, uma entidade adjudicante apenas pode, nos termos do regime previsto no Código dos Contratos Públicos, confiar a um operador económico – de forma exclusiva – a projeção e consequente execução de uma obra pública, em casos excecionais, devidamente fundamentados na decisão de contratar, circunscritos às seguintes circunstâncias:

i) Por um lado, nos cenários em que o adjudicatário (empreiteiro) deva assumir, nos termos do caderno de encargos, obrigações de resultado relativas à utilização da obra a realizar. Pense-se, por exemplo, num contrato de concessão de obras públicas com vista à construção de uma autoestrada;

ii) Por outro lado, nas hipóteses em que a complexidade técnica do processo construtivo da obra a realizar requeira, em razão da tecnicidade própria dos operadores económicos, a especial ligação destes à conceção daquela. A título de exemplo, considere-se, a construção de uma central fotovoltaica para autoconsumo.

Observadas as sobreditas circunstâncias, excecionais, a entidade adjudicante pode recorrer à modalidade de conceção-construção para a realização de uma obra pública. Nas referidas situações, o caderno de encargos do procedimento de formação do contrato de empreitada, deve – obrigatoriamente – integrar um programa preliminar, sob pena de ser considerado nulo.

O conteúdo do programa preliminar que integra o caderno de encargos do procedimento de formação do contrato consta de portaria do membro do Governo responsável pela área das obras públicas – veja-se, para o que aqui releva, a Portaria n.º 255/2023, de 7 de agosto.

O contrato de empreitada a celebrar através da modalidade de conceção-construção não é considerado um contrato misto, para efeitos do disposto no artigo 32.º do CCP.

Note-se ainda que, em face da complexidade da figura, do grau de especialização exigido, dos riscos associados, sendo certo que o principal beneficiário/prejudicado com o sucesso da operação é, e sempre será (ou pelo menos deveria ser) o interesse público, numa lógica de “with great power comes great responsability”, o legislador previu um agravamento/inversão da responsabilidade do empreiteiro em sede de trabalhos complementares que se destinem a corrigir erros ou omissões do projeto de execução (projeto esse que é elaborado pelo empreiteiro). Destarte, veja-se o n.º 2 do artigo 378.º do CCP: “Quando o empreiteiro tenha a obrigação de elaborar o projeto de execução, é o mesmo responsável pelos trabalhos complementares que tenham por finalidade o suprimento dos respetivos erros e omissões, exceto quanto estes sejam induzidos pelos elementos elaborados ou disponibilizados pelo dono da obra.”

§ 3. Regime especial de empreitadas de conceção-construção

Em autêntico contraciclo com o regime cauteloso, exigente e excecional de recurso à modalidade da empreitada de conceção-construção previsto no Código dos Contratos Públicos, o legislador aprovou em novembro do ano transato – apesar das críticas do Tribunal de Contas e de algumas Ordens Profissionais na matéria – um regime especial menos exigente, o qual permite, igualmente, às entidades adjudicantes adotarem a modalidade de contratação de empreitadas de conceção-construção.

Referimo-nos ao DL n.º 78/2022, de 07-11, que procedeu à primeira alteração à Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, a qual aprovou medidas especiais de contratação pública.

Com o desiderato de eliminar perdas de tempo e recursos desnecessários por parte das entidades adjudicantes, nos casos em que estas considerem que o mercado está em melhor posição de elaborar um projeto de execução de determinada obra, cabendo, assim, esta responsabilidade ao adjudicatário e não à entidade adjudicante, o legislador criou um novo modelo (especial) de conceção-construção, integrado no regime das medidas especiais de contratação pública.

As entidades adjudicantes passam assim a dispor de um mecanismo – para além do regime geral e excecional previsto no n.º 3 do artigo 43.º do CCP, que lhes permite adotar a modalidade de contratação de empreitadas em regime de conceção-construção, independentemente do valor do contrato a celebrar, desde que se encontre verificada, pelo menos, uma das seguintes condições:

– Função da obra a realizar: a obra tem de servir uma das funções que a Lei n.º 30/2021, de 21 de maio determina, a saber: i) obras públicas que se destinem à promoção de habitação pública ou de custos controlados ou à intervenção nos imóveis cuja titularidade e gestão tenha sido transferida para os municípios, no âmbito do processo de descentralização de competências; ii) obras públicas associadas a processos de transformação digital; iii) obras públicas que se destinem à construção, renovação ou reabilitação de imóveis no âmbito do setor da saúde, das unidades de cuidados continuados e integrados, e do apoio social no âmbito de pessoas idosas, da deficiência, da infância e da juventude; iv) obras que se destinem à promoção de intervenções que, por despacho do membro do Governo responsável pelo respetivo setor de atividade, sejam consideradas integradas no âmbito do Programa de Estabilização Económica e Social, aprovado em anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 41/2020, de 6 de junho;

– Fonte de financiamento: obras públicas que se destinem à execução de projetos financiados ou cofinanciados por fundos europeus, incluindo os integrados no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência.

Por conseguinte, o novo regime especial, que consta da Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, pode ser utilizado pelas entidades adjudicantes – para além e sem prejuízo do regime geral constante do artigo 43.º/3 do CCP, desde que verificada alguma das sobreditas condições (função da obra ou fonte de financiamento).

No que toca às exigências a observar no caso de a entidade adjudicante optar por atribuir um contrato de conceção-construção no âmbito das medidas especiais de contratação pública, ressalvamos o seguinte:

– O caderno de encargos do procedimento de adjudicação deve ser integrado por um estudo prévio, competindo – naturalmente – a elaboração do projeto de execução ao empreiteiro. Os conteúdos obrigatórios do estudo prévio e do projeto de execução constam da Portaria n.º 255/2023, de 7 de agosto;

– O caderno de encargos deve ainda proceder à discriminação ou separação dos montantes máximos que a entidade adjudicante se dispõe a pagar pela execução das prestações correspondentes à conceção e à execução da obra;

– Determina-se, por outro lado, que o critério de adjudicação seja formulado na modalidade multifator, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 74.º do CCP, e exige-se que os fatores e eventuais subfatores que densificam o critério de adjudicação sejam estritamente objetivos, garantam uma adequada comparabilidade das propostas e incluam, pelo menos, o preço relativo à conceção e o preço relativo à execução da obra;

– Tal como resulta do regime geral da conceção-construção previsto no artigo 43.º/3 do CCP, o contrato de conceção-construção não é considerado um contrato misto para os efeitos do disposto no artigo 32.º do CCP.

Por último, é mister salientar que o regime especial de empreitadas de conceção-construção, constante da Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, é reavaliado até 31 de dezembro de 2026, conforme consta do artigo 7.º do DL n.º 78/2022, de 07/11.

Referências: Artigos 32.º, 43.º, 74.º, 75.º, 343.º e 378.º do CCP; Artigos 2.º, 2.º-A, 3.º, 4.º e 5º da Lei n.º 30/2021, de 21 de maio; Artigo 7.º do DL n.º 78/2022, de 07-11; Portaria n.º 255/2023, de 07 de agosto.

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